22.11.18

Ca-Fé

Ta literalmente na boca do povo, e de todo sujeito por ai, que essa bebida forte salva vidas e pessoas sonolentas nos seus horários de trabalho. Café. Já ouvi dizer até que certos sujeitos não conseguem nem ao menos cumprir suas obrigações diárias ou simplesmente viver sem ele. “É um estimulante diário”. “Parece que você recebe uma bomba de energia”. “Preciso tomar pelo menos uma xícara toda manhã pra conseguir acordar”. E há até mesmo quem ousa se justificar com ele “Desculpa estar pilhada assim a culpa é do café preto”. Ô sujeitinho metido a milagroso esse tal de café hein?! Da próxima vez que eu precisar de uma solução para algum problema meu vou chamá-la assim. Mas acontece que essa vez já chegou porque eu já tenho um problema. E pra esse problema o café não pode ser a solução. Porque o café é o problema. Com leite ou sem. Com açúcar e até com adoçante. Nunca me desceu. Lembro exatamente do momento em que a vida me separou pra sempre da bebida mágica. Devia ter lá meus 6 ou 7 anos de idade. Sala de espera de um consultório médico. Tédio. E ao ter que lidar com o tédio o ser humano inventa as ideias mais desnecessárias. Minha mãe avistou a cafeteira parada ali apenas esperando por um consumidor do seu conteúdo. “Acho que já ta na hora de você experimentar um pouquinho de café né filha!”. Ok. Por que ela disse isso? E...por que não? Se minha própria mãe falou desse jeito então eu devo estar me tornando adulta o suficiente para experimentar essa bebida de adulto. Me animei. O êxtase do desconhecido percorria cada centímetro do meu corpo. E agora eu realmente queria beber aquilo. Minha mãe serviu em um copinho que era tão pequeno quanto eu. Colocou açúcar para amenizar. “Hum açúcar é bom então isso deve ser gostoso” pensei. Copo na boca. Líquido na língua. Papilas gustativas. Líquido no chão. Nunca entendi por que essa cena ficou tão marcada em minha mente. Mas naquele momento eu literalmente transformei a sala de espera branca do consultório em um chão molhado de líquido preto ruim. Fui ludibriada. Aquilo realmente não tinha nada a ver com açúcar ou com ser adulta. Ou quem sabe indiretamente tivesse. Talvez eu ainda não tivesse maturidade o suficiente na época pra entender que nem tudo precisa ser doce pra ser bom. A vida real, por si só, é amarga. Trabalhar, por exemplo, não é prazeroso, mas traz prazer por te dignificar. Talvez o café tenha esse mesmo propósito. Talvez ele seja amargo justamente pra nos anestesiar da realidade e obrigações muitas vezes ainda mais amargas do nosso cotidiano. Mas isso são apenas suposições. Até porque depois desse trágico episódio da sala de espera eu infelizmente nunca mais consegui me acostumar com o amargo. E esse é justamente o problema. Eu queria, e de certa forma deveria, conseguir gostar. Todo mundo precisa de estímulos pra continuar vivendo. Alguns precisam de amor. Alguns precisam de religião. E outros, os sortudos, simplesmente de Ca-fé. E eu permaneço aqui. Com muita fé e pouco paladar. Afinal café deve se beber quente e o meu combustível sempre foi água gelada.

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