3.5.19

Carta a Humberto Gessinger

Antes de tudo, gostaria de enfatizar que se forem os olhos de Humberto Gessinger embaixo de seus óculos de lentes circulares a lerem essas palavras neste exato momento, bom, eu já posso me considerar realizada. Não que eu idealize um ídolo perfeito ou inatingível, daqueles que todos o idolatram e o colocam em pedestais de diamante para serem considerados joias raras da publicidade no mundo, até porque isso deve ser realmente chato. É só que é completamente insólita a sensação de você saber muito sobre alguma pessoa e a admirar de uma maneira indescritível, e essa pessoa não saber nada sobre você. Estranha sensação boa de sobreviver a efeitos colaterais da arte. E foi exatamente assim, em mais um desses encontros ocasionais das esquinas da vida, que tudo começou. Há alguns anos eu era mais uma das tantas pessoas a serem levadas pela hegemonia do pop, afinal, o pop não poupa ninguém. Eu realmente não estava nem ai pra nada, tanto no sentido musical como na vivência em si, e toda essa questão de o ser humano ser levado pela ação e visão distorcida da sociedade atual. Até que em um ocasional mês de Junho de 2013, meu caro querido “Agagê” (HG) estava em uma turnê de divulgação de sua mais nova estreia como cronista em Nas Entrelinhas do Horizonte (livro que futuramente seria o insight que mudaria toda a minha concepção existencial e musical), e foi ai que, por sorte, a minha tia apreciadora do bom e velho rock nacional já da época do Engenheiros do Hawaii, ficou sabendo por mapas do acaso (?), talvez, em um dialogo casual com o meu pai, que trabalha no ramo de transporte e turismo, que ele iria transportar “aquele vocalista cabeludo daquela banda que toca, Era Um Garoto…que Como Eu…tãnãnãnãnã”. Ah como eu amo os efeitos colaterais! Obviamente, fui quase obrigada na época a ir junto com eles ver o tal do cantor famoso, que até então eu, alienada pela lógica do sistema, não fazia a menor ideia de quem era, e (chega a doer dizer isso) não dava a menor importância para aquela figura aparentemente comum que dava autógrafos, sorria para fotografias e esbanjava simpatia perante seus fãs e qualquer outra pessoa desinformada que ousasse se integrar a cena. Ah se eu soubesse que aquela imagem daquele cara cabeludo sentado, com cara de boa pinta se reconfiguraria novamente milhares de vezes na minha mente, que aquela fotografia super mal tirada daquele dia ainda seria de raríssima valia e que um dia tudo isso viraria uma espécie de nostalgia misturada com saudosismo e uma pitada perfeita de acaso. Sorte ou acaso, quem sabe do que depende? Acho que o papo to muito abstrato né? Inclusive desculpe por “pegar emprestado” algumas de suas manias literárias, mas confesso que é quase inevitável não se identificar com praticamente tudo que essa mente “gessingeriana” pensante projeta. A eventualidade passou, os dias passaram, e meses depois em uma daquelas tardes monótonas em que a sua única vontade é se sentar no chão do quarto, colocar uma música boa pra tocar e ficar simplesmente fazendo nada, o som do Engenheiros com seu baixo inconfundível veio até mim, não me pergunte como, provavelmente indicação de algum amigo ou algo assim, de qualquer forma isso não importa muito, acredito piamente naquele lance de que músicas traçam por si próprias os destinos de seus ouvintes. Conclusão. Fiquei subitamente apaixonada pelos versos e trocadilhos melódicos. E foi quando me dei conta de que o vocalista dessa banda que eu havia descoberto e logo apreciado assim tão do nada, era na verdade aquele cara cabeludo com o qual eu havia tirado foto sem ao menos saber quem era. Foi ai, então que todos os pontos se ligaram e tudo fez todo o sentido! Arrematei aquele livro inteiro na mesma noite, e naquela noite devo ter envelhecido mentalmente uns 10 anos ou mais. Decidi de uma vez por todas que era aquilo que eu queria pra mim, que aquela forma de ver as coisas de um jeito tão simples assim seria também a minha forma, eu queria que fosse, passei a admirar o seu trabalho do jeito mais genuíno existente, passei a perceber que tanto nas músicas como na escrita, sempre havia essa pegada lúdica de ver as coisas, esse simplificar os paradoxos que muitas vezes não conseguimos identificar, como diria Luís Augusto Fischer, dar sentido para as coisas simples. Simplicidade. Se me pedissem para definir Humberto Gessinger em uma palavra, essa palavra seria simplicidade. Acho digno de admiração uma pessoa que consegue fazer de atos simples, como por exemplo sentir o vento bater no rosto, observar uma antena parabólica de hotel, notar um ninho de pássaros construído em sua janela, e disso criar as mais belas poesias, canções e reflexões. Não querendo parecer bajuladora demais mas eu me considero realmente sortuda por ter um ídolo assim tão “acessível”, eu, por exemplo, nunca poderia escrever uma carta para o John Lennon, mesmo que ele estivesse vivo, certo, eu até poderia tentar, mas, de qualquer forma, ele provavelmente não teria um blog, e muito menos escreveria nele com a prestatividade e a atenciosidade que você escreve, ele também provavelmente não teria livros que falassem da sua forma genuína de ver o mundo, e não menos importante, seria raríssimo ele associar todos esses artefatos com o dom da musicalidade e ainda fazer disso algo extremamente natural e, novamente, simples… Não querendo subestimar o John Lennon, só estou querendo dizer que não é sempre que se encontra um pampa no walkman vagando por ai. Pra ser sincera eu poderia lhe elogiar pra sempre, eu poderia enfatizar as milhares de vezes que eu lancei o fonema auditivo “Humberto Gessinger você !É foda!”, eu poderia listar as suas manias, eu poderia dizer que as pessoas aleatórias para quem você escreve suas músicas são realmente providas de sorte, eu poderia dizer que você formou boa parte da pessoa inspirada que sou hoje, eu também poderia agradecer pelas tantas vezes que suas musicas encaixaram perfeitamente em alguma situação da minha vida e certamente me ajudaram, eu poderia dizer que seus livros são os que eu mais pego para ler da minha estante, eu poderia dizer que a semana fica melhor sempre que a segunda vira terça, (eu poderia dizer que o fato de esse blog existir tem muita influência do BloGessinger), eu poderia dizer que aprecio sua mente, seu trabalho, e sua forma de ver o mundo, do mesmo jeito que eu aprecio girafas (amo girafas da maneira que Bob Marley amava maconha). Porém eu sei, e fico realmente feliz por isso, nada mudaria, você continuaria sendo o mesmo Gessinger de sempre, o mesmo cara que odeia cinemas, ama Adrianes e faz palavras e acordes se transformarem em pura inspiração, na minha inspiração. Obrigado por tudo mestre! 

Bah1: Se essa carta não tivesse um ‘bah’ no final, não seria uma carta para Humberto Gessinger; 

Bah2: Eu leria até mesmo sua lista de compras.

(Bah3: O Humberto Gessinger realmente leu essa carta quando eu a entreguei pra ele meses depois da história acima e no dia da foto abaixo. E eu jamais irei superar esse momento.)

Com todo o carinho desse mundo 
                                                         Yasmim Primieri Kochhann





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